Como o dividendo sai do caixa da empresa, em tese, o ajuste da cotação “ex” reflete, no final do dia, essa diminuição do caixa no EV da empresa. De fato, não existe almoço grátis.
A estratégia de dividendo serve mais para diluir o risco do acionista, que recebe uma parte do resultado da empresa para poder alocar onde quiser. Não fica preso à alocação de capital do controlador, às vezes bem sucedida, às vezes mal sucedida.
Mas o que eu gostaria de chamar a atenção, aqui, é para algumas ações que possuem natureza híbrida: ações + bonds.
São as chamadas ações com direitos a dividendos estatutários, desvinculados do resultado da empresa.
Alguns exemplos hoje disponíveis no mercado: PATI4, OIBR4, RPAD5 e ELET6.
Para ilustrar a grande vantagem nesse tipo de alocação, darei o exemplo da Panatlântica (PATI4), uma das quatro ações que compõe o meu portfólio.
A Panatlântica possui 24mi ações, mas apenas 1mi ações PN (PATI4), cujo pagamento de dividendos é atrelado ao patrimônio líquido. Assim, com ou sem lucro, a empresa precisa pagar uma remuneração a esses acionistas, correspondente a, no mínimo, 6% do valor do patrimônio líquido, todos os anos.
Só que esse valor pago anualmente aos preferencialistas é irrelevante para a empresa, pois são muito poucas essas ações. Então, praticamente não afeta o caixa da empresa. No ano passado, por exemplo, a empresa gerou R$100mi de caixa, mas o lucro foi de apenas R$13mi. Para atender aos preferencialistas, ela vai gastar apenas R$2mi, ou seja, praticamente nada.
Contudo, esse valor corresponde a R$2,10 por ação, o equivalente a 6,5% de yield sobre a cotação atual do papel. A parcela residual do lucro a ser distribuído aos acionistas, entre os ON (23mi ações), será de apenas R$0,04 por ação. Vejam a diferença.
Assim, a distribuição de dividendos em nada afeta o valuation da empresa para quem é detentor da preferencial. É um verdadeiro bond, um direito de crédito.
Por outro lado, quando a empresa tem um excelente ano, como ocorreu em 2021, em que o lucro foi de R$ 282mi no ano, todos os acionistas (ON e PN) receberam um valor de R$2,97 de dividendos por ação, inclusive os PN (pois o valor estatutário é o mínimo).
E essa dinâmica de dividendo estatutário serve como um forte amortecedor de queda para o papel e como um forte provedor de caixa para períodos de vacas magras, como o atual, em que o setor siderúrgico, cíclico, não passa por um bom momento.
Além disso, com o tempo, nosso yield cost, ou seja, o valor que o dividendo representa frente ao seu capital investido, vai ficando cada vez maior.
Com a distribuição anunciada ontem pela empresa (mais R$2,10), meu yield cost vai para 16,5% ao ano. Ou seja, descontados os dividendos, meu preço médio já está em R$13,00 e a empresa paga, religiosamente, R$2,10, pela correspondente participação no patrimônio líquido. Como a cotação, após ficar “ex”, vai para R$31,00, minha TIR no investimento (dividendo + ganho de capital) está excelente (PM de R$13,00, descontados dividendos, e cotação atual nos R$31,00)! Isso em um pouco mais de 4 anos.
Obviamente que o pagamento do dividendo estatutário depende da existência de reservas de dividendos, no caso da Pati4, hoje em R$381mi - ou seja, suficiente para pagar toda a geração dos meus filhos.
Mas, em razão dos dividendos estatutários, normalmente essas ações tem cotações mais elevadas que a ON, a exemplo da OIBR4, que vale 3x mais que a OIBR3 - ambas não pagam dividendos há muito tempo, possivelmente por ter patrimônio líquido negativo e por não terem reserva de lucro, mas, se um dia isso se reverter, a OIBR4 recebe 6% do valor correspondente à sua parcela do patrimônio líquido; e o mercado já precifica isso de um modo distinto da ON.