Para blindar a Petrobras, temos que privatizar
Adriano Pires
Em sua vasta maioria, os investidores estão satisfeitos com a gestão de Pedro Parente no comando da Petrobras. Nada mais justo: a estatal foi dizimada nos governos do PT e Parente está tomando as medidas certas para recuperar a empresa.
A gestão atual anunciou uma nova política de preços e deixou claro que a gasolina e o diesel nunca mais ficarão abaixo da paridade do mercado internacional. Além disso, Parente e seu time estão executando com obstinação um Plano de Desinvestimentos ambicioso, que prevê a venda de US$ 15 bilhões até o final deste ano e mais US$ 19 bilhões até o final de 2019.
Já foram vendidos a rede de gasodutos do Sudeste, a Liquigás e o campo de Carcará, no pré-sal. A lista de desinvestimentos inclui ainda a BR Distribuidora, refinarias e outros campos de petróleo. Ou seja: a atual direção da empresa está derrubando mitos e focando a Petrobras em explorar e produzir petróleo e gás natural no pré-sal. Isso sem falar na redução do quadro de funcionários da empresa, bem como o corte de inúmeras gratificações criadas sem nenhum sentido nos governos anteriores.
Não resta dúvida de que o caminho é o correto. Mas será que isso basta para blindar definitivamente a Petrobras de novos assaltos como os que estão sendo exaustivamente revelados pela Operação Lava Jato?
Como ficará a Petrobras depois de Pedro Parente? A atual direção será capaz de implantar uma governança que blinde a empresa contra futuros governos populistas — e contra o interesse fisiológico dos partidos, que se tornou uma parte — integral e inaceitável — da cultura política brasileira? Aliás, será que a Lava Jato existe por insuficiência de governança nas estatais, ou o buraco é mais embaixo?
Hoje, o clima de ninguém-aguenta-mais instalado no País ajuda Pedro Parente a gerir a Petrobras de forma racional e profissional. Os partidos políticos — acuados pela Lava Jato e fiscalizados pela imprensa — se viram obrigados a se distanciar da estatal, permitindo que a atual gestão tenha tranquilidade para tomar decisões empresariais, respeitando o mercado e os acionistas minoritários.
Mas isso basta? O que acontecerá quando a Petrobras, reduzida e reequilibrada, sair das manchetes dos jornais e do foco da Lava Jato? Os ratos voltarão a ocupar o convés do navio? Aquela ‘diretoria que fura poço’ voltará a ser moeda de troca no ‘presidencialismo parlamentar’ brasileiro?
O Brasil precisa ter coragem de discutir a verdadeira solução — a blindagem perfeita — que é a privatização da Petrobras.
Criticar o gigantismo da Petrobras sempre foi um pecado capital no Brasil. Quem o fazia era visto como 'vendilhão da Pátria’. Mas depois do que os políticos e administradores fizeram com a empresa, forçando sua migração da seção de economia para as páginas policiais, essa percepção já começa a mudar. Historicamente, poucas pessoas de relevo no cenário nacional ousaram criticar a empresa. O jornalista Paulo Francis e o economista Roberto Campos foram, com certeza, os críticos mais enfáticos e espirituosos do papel da Petrobras e de como ela fez mal ao Brasil — em que pese a fanfarronice ufanista, populista e demagógica em torno do ‘orgulho nacional’.
Ao defender privatização, Francis dizia que a Petrobras "é uma excrescência arcaica e nos custa os olhos da cara.” Noutra tirada, profetizou: “Lula nos coloca ‘au niveau’ de Cuba e Nicarágua. (…) Lula quer o Estado em tudo, com a Petrobras falida…”
Roberto Campos afirmava: "a privatização não é uma opção acidental nem coisa postergável, como pensam políticos irrealistas e burocratas corporativistas.” Como se sabe, Campos é o autor da melhor definição da diferença entre uma empresa privada e uma pública: a primeira, dizia ele, é controlada pelo governo; a última, por ninguém.
Se não queremos mais correr o risco de descobrir — com novas Lava Jatos — os novos assaltos que virão na Petrobras daqui a alguns anos, precisamos discutir com serenidade e responsabilidade a privatização da empresa, da mesma forma que ocorreu com a Vale e a Telebrás. Se essas duas gigantes ainda fossem estatais, alguém se arrisca a chutar qual seria o tamanho da Lava Jato hoje?
O velho discurso de que ‘o petróleo é estratégico’ provou-se ao longo do tempo um biombo vagabundo para as transações mais pornográficas envolvendo o dinheiro público: o aluguel de diretorias a partidos mercantilistas e os superfaturamentos que cobriram primeiras-damas de diamantes enquanto arrombavam o Tesouro.
Como pode alguém que se diz ‘de esquerda’ ainda ser a favor desta farsa?
Um País pode ter conservadores e liberais, direita e esquerda, mas a causa republicana é a que deveria nos unir, e a história mostra que a existência de um gigante estatal como a Petrobras serve apenas aos interesses mais privados e antirrepublicanos.
Esta discussão tem que estar no debate em 2018, mas desde já, o redesenho institucional do Brasil patrocinado pela Lava Jato convida a uma reflexão sobre nossas vacas sagradas: com a Petrobras estatal, você já sabe quem ganha e quem perde.
Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria no setor de energia. Foi superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP). É economista pela UFRJ e doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII.